Sábado, 14 de Março de 2009

O que separa o Reino Unida da Europa

Hugo Coelho
Tradição. Conduzem pela esquerda, bebem chá com leite e contam as distâncias em pés. Que ninguém duvide: os britânicos são um povo à parte. E têm orgulho nisso. Esta semana bastou a notícia de que a libra podia ser substituída pelo euro para deixar os súbditos de Isabel II com os cabelos em pé

Vistos do continente, os hábitos britânicos podem parecer bizarros

Segunda-feira, o Reino Unido acordou coberto com um manto branco. O maior nevão dos últimos 18 anos fez parar os autocarros vermelhos e o metro de Londres, obrigou ao encerramento das escolas e deixou os britânicos a fazer aquilo que qualquer europeu esperaria deles: dizer mal do tempo.

Em tempos de crise, porém, parece que o tempo, o do relógio, vale mais dinheiro do que antes. E passadas algumas horas a economia voltou a ser o assunto. O pretexto até veio do lado de lá da Mancha. Em Bruxelas, o comissário europeu para a política Económica e Monetária, Joaquín Almunia, anunciava a "alta probabilidade" de o Reino Unido renunciar à libra e se juntar ao euro. O espanhol nem se atreveu a falar em datas. Mas a notícia bastou para deixar os mais orgulhosos e arrebatados súbitos de Isabel II de cabelos em pé.

Os ventos até sopram a favor da opinião do comissário. Nos últimos meses, a libra desvalorizou 20% face ao euro. E, esta semana, a Islândia, um dos velhos cépticos em relação à moeda única, anunciou a intenção de se juntar ao eurogrupo, apenas um passo antes de aderir à UE.

O problema é que a libra é uma marca da identidade do Reino, tão antiga quanto a sua glória imperial. Sugerir que a Rainha pode deixar as moedas de pence é como ameaçar proibir o chá das cinco.

As diferenças entre britânicos e os outros europeus são muito maiores do que os 34 quilómetros de mar que os separam - no local mais estreito do canal - deixam adivinhar. Basta levar o carro, no comboio, pelo túnel da Mancha e chegado ao outro lado para perceber que o trânsito anda, literalmente, ao contrário.

Vistos do continente, os hábitos em terras de sua majestade podem parecer bizarrias de um povo teimoso e orgulhoso. Não caberia na cabeça de um francês, revolucionário por natureza, cumprir as leis de um parlamento formado por deputados hereditários e que em vez de eleitos são nomeados pela rainha. Mas no Reino Unido é isso que se passa na câmara dos Lordes.

A invasão de emigrantes nas últimas décadas também não foi capaz de fazer mudar as coisas. Londres tornou-se uma autêntica mistura de nacionalidades. Mas a capital do humor sofisticado continua a ser a que retratava o filme Notting Hill que valeu à poupa do actor Hugh Grant o título de símbolo nacional.

Uma muralha feita de mar

Os 34 quilómetros de mar que separam o Reino Unido do continente foram, ao longo da história, uma defesa natural. O agitado Canal da Mancha desfez a temível Armada Espanhola que prometera invadir o Reino protestante de Isabel I em 1588. Dois séculos depois, os exércitos de Napoleão levaram a Revolução de Lisboa a Moscovo mas não se atreveram a cruzar o Estreito de Dover. Tal como Hitler, no século XX, bombardeou Londres pelo ar mas não mandou um único soldado para solo britânico.

História de amor transatlântica

Como todas as histórias de amor, o romance entre o Reino Unido e EUA foi feito de zangas e reconciliações. Tudo começa no século XVIII quando os americanos se revoltaram contra o Império e lutaram pela independência. No século XX, fizeram as pazes. Os americanos vieram em socorro dos britânicos nas duas Guerras Mundiais e juntaram forças na Guerra Fria. Recentemente, Tony Blair foi aliado de George W. Bush no Iraque e Hillary Clinton, chefe da diplomacia de Barack Obama, já foi a Londres trocar votos de fidelidade.

Conduzir pela esquerda, olhar para a direita

É uma das primeiras lições a aprender quando se viaja para terras de sua majestade: se vai atravessar a estrada, olhe para direita, ou corre o risco de ver um daqueles autocarros vermelhos surpreendê-lo pelo flanco esquerdo. Os britânicos são dos poucos que mantiveram a tradição medieval de conduzir pela esquerda. A regra virou lei em 1756 para organizar o trânsito na movimentada ponte da Torre de Londres. E contra a moda moderna, os volantes dos veículos no Reino Unido ainda hoje são à direita.

Onde um pé tem 30 centímetros

Esqueça os metros e os quilos. Em terras britânicas medem-se as distâncias em pés e as balanças só pesam libras. Para leigos, um pé mal passa os 30 centímetros e uma libra fica aquém de meio quilo. O sistema de pesos e medidas britânico, que ganhou o nome de "Imperial" por se estender a todas as longitudes do Império, foi feito lei em 1824. Em 2008, o sistema métrico tornou-se universal, mas os britânicos mantêm-se fiéis aos seus velhos pesos e medidas.

O sagrado chá das cinco

Para quem não vive sem o café da manhã, o chá das cinco pode parecer uma coisa bizarra. Mas para os britânicos, especialmente os ingleses, é uma imagem de marca. Especialmente se tiver leite e scones à mistura. Diz-se que a tradição começou por culpa de uma princesa portuguesa que sofria de enxaquecas. Catarina de Bragança casou-se com o Rei de Inglaterra Carlos II em 1661 e no dote levava a província indiana de Bombaim e a mania de beber chá ao final da tarde.

Vinho de 'Oporto' e 'old scotch'

Não há britânico que resista a uma pint (cerveja) bebida num pub, ao final do dia. E são poucos os que se livram da fama de alcoólicos e arruaceiros. Mas não se pense que a cerveja é a sua perdição. Se lhes perguntarem por vinho, perdem-se a falar do Oporto - o vinho português - como se fosse feito nas ilhas britânicas. Melhor do que esse, talvez só o whisky. É produzido em todas as nações do Reino, menos Inglaterra, mas é o escocês velho, também chamado old scotch, que tem melhor reputação.

Quatro selecções de futebol e uma equipa olímpica

São todos do mesmo Reino, amam todos a mesma Rainha. Mas quando se trata de desporto, particularmente de futebol, o Reino, que roubou Cristiano Ronaldo, não é tão Unido assim. Por cada país - Inglaterra, Escócia, País de Gales, e Irlanda do Norte - seu campeonato. E o mesmo se passa com as selecções que vão ao Europeu ou ao Mundial. Britânicos juntos, embrulhados à Union Jack - a bandeira - e a cantar God Save the Queen - o hino -, só mesmo quando chegam os Jogos Olímpicos.

Umas piadas sofisticadas

É tudo uma questão de linguagem. Eles acham que é "sofisticado", "sarcástico", "fino". Os outros dizem-no "seco" e "negro", quando não gritam para dentro, "que absurdo!". Não que uma opinião tenha propriamente a ver com a outra. Mas e então? Nunca ninguém disse que o humor britânico - o das Britcoms da BBC e dos Monty Python - é para toda a gente compreender. E ainda menos para achar piada. O importante, que nem tem nada que saber, é sorrir.

Simplesmente, BBC

Há o Big Ben, o fish & chips (peixe panado com batatas fritas), o shitty wheather (mau tempo) e... a BBC. A British Broadcasting Corporation - que custa milhões aos cofres do Estado - é uma imagem de marca do Reino Unido e uma emissora de rádio e televisão sem igual no mundo. Criada em 1922, antes da era de ouro da rádio, destacou-se durante a Segunda Guerra Mundial, quando Londres era constantemente bombardeada pelos aviões alemães, por puxar pela moral da população.

Realeza em porta-chaves

Reis e rainhas há uns tantos no mundo. Mas nenhum tem a fama de Isabel II e seus designados sucessores da Casa de Windsor. Adorada pela maioria dos britânicos - tolerada pela minoria que nem imagina o que é o mundo sem ela - a família real inglesa é um ícone do Reino Unido que arrasta milhões de turistas para as grades do palácio de Buckingham. Nas lojas de souvenirs nem o Big Ben supera os produtos com os rostos de Carlos, Camila, William, Harry e, sobretudo, a falecida princesa Diana.
Fonte DN Online
 
Por Zito Soares às 03:38
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